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Contabilidade pública no mesmo rumo da empresarial

POR DANIELLE RUAS

Engana-se quem pensa que somente as empresas privadas precisam se adequar ao novo padrão contábil, conhecido como IFRS (International Financial Reporting Standards, ou Padrões de Relatórios Financeiros Internacionais). As três esferas governamentais igualmente precisam se adaptar ao novo padrão de contabilidade, conhecido como Ipsas (International Public Sector Accounting Standards, ou Normas Internacionais de Contabilidade para o Setor Público), o qual entra em vigor em 2014.
Em entrevista à DEDUÇÃO, o coordenador-geral de Normas de Contabilidade Aplicadas à Federação da Subsecretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, Leonardo Silveira do Nascimento, diz que, entre as vantagens que virão com as novas regras, merece destaque a situação patrimonial da União, dos estados e dos municípios, que passará a ter maior visibilidade, já que tudo o que for registrado por um valor reduzido será contabilizado por um valor mais próximo da realidade.
Na opinião de Nascimento, as Ipsas inibirão muitos desmandos com o dinheiro público. Afinal, os compromissos governamentais terão de ser calculados e registrados nesse novo modelo de balanço, que ficará muito parecido com o publicado pelas empresas privadas, com balanço patrimonial e demonstrações de resultado do exercício e de mutação do patrimônio líquido.

As normas internacionais de contabilidade para a preparação de demonstrações por entidades do setor público (Ipsas) já estão totalmente traduzidas?
O trabalho de tradução, concluído em 2010, foi fruto da ação conjunta da Secretaria do Tesouro Nacional, por meio da Subsecretaria de Contabilidade Pública, e do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), como parte do processo de convergência à contabilidade patrimonial no Brasil aos padrões internacionais. As 31 primeiras Ipsas emitidas pela International Federation of Accountants (Ifac, Federação Internacional de Contadores) estão totalmente traduzidas para o português e esse trabalho será continuado à medida que as Ipsas forem atualizadas e forem emitidas novas normas.

O que mudará na contabilidade pública com a adoção das Ipsas?
Na verdade não há a adoção pura e simples das Ipsas. As normas da Ifac são um norte, mas a busca pelo registro integral do patrimônio público e a convergência aos padrões internacionais pode requerer o uso de outras fontes que estejam mais aderentes à realidade brasileira. Quando falamos em adoção de normas, padrões e melhores práticas internacionais, estamos nos referindo à mudança de foco para a contabilidade patrimonial, a qual pressupõe o registro integral do patrimônio público pela contabilidade e que é comumente chamada de Nova Contabilidade Aplicada ao Setor Público. O que se espera é que a contabilidade evidencie todas as alterações do patrimônio, bem como dos atos potenciais que possam gerar essas alterações. Dessa forma, a informação contábil, considerando assim os aspectos patrimoniais, será mais abrangente e útil, sem perder de vista as questões relacionadas ao controle do orçamento, que é um dos diferenciais da contabilidade pública brasileira em relação à de outros países. Em relação aos benefícios da convergência, podemos citar o fato de que a tomada de decisões será baseada em uma gama maior de informações. Além disso, há o benefício da comparabilidade das informações contábeis entre os entes federativos e entre os países, permitindo análises quanto ao desempenho das finanças públicas que incorporem a dimensão patrimonial.

O senhor acredita que o Brasil, adotando as normas internacionais para o setor público, dará um passo importante no que diz respeito à normatização e transparência contábil?
O maior benefício, em termos institucionais, é introduzir a análise do patrimônio do setor público, ampliando o escopo da análise orçamentária. Nesse sentido, a contabilidade patrimonial contribuirá para que o cidadão compreenda melhor os atos refletidos nos demonstrativos.

Como será a adoção das Ipsas nos municípios, nos estados e no governo federal?
Atualmente, há em vigor um arcabouço normativo referente à convergência da contabilidade pública brasileira aos padrões internacionais. Primeiramente, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) emite as Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBC T SP), que são as bases de todo o processo. A Secretaria do Tesouro Nacional, na qualidade de órgão central de contabilidade do setor público, edita o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP), que dá aplicabilidade às NBC T SP e estabelece outras regras e procedimentos operacionais relacionados à contabilidade que deverão ser aplicadas para União, estados e municípios. A segunda edição do MCASP foi aprovada em 2009, substituindo o Manual de Receita Nacional e o Manual de Despesa Nacional, de 2008. Sua publicação constituiu um marco histórico na regulamentação e na prática contábil do setor público brasileiro, que teve seu foco aprimorado para além da visão do orçamento, incorporando elementos do patrimônio público. Desde então, o MCASP foi reeditado a cada ano, buscando-se inserir os aprimoramentos cabíveis, decorrentes das discussões no âmbito do Grupo Técnico de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (GTCON) — foro consultivo e de discussões — e das sugestões e colaborações de diversos técnicos e instituições de todo o País. Portanto, a normatização é resultado de um processo participativo que envolve discussões com representantes da Federação antes da implementação das normas. É importante destacar que há prazos relativos à adoção do Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (PCASP) e das Demonstrações Contábeis Aplicadas ao Setor Público (DCASP), que representam, respectivamente, a padronização da entrada e da saída da informação dos sistemas de informações contábeis, conforme definidos no MCASP. Essas mudanças devem ser implementadas até o final de 2014, conforme dispõe a Portaria STN nº 753/2012 em vigor.

O senhor acredita que o governo brasileiro, diante de tanta burocracia, está preparado para atender a essa demanda?
O processo de convergência aos padrões internacionais de contabilidade envolve aspectos relativos à mudança cultural e, portanto, caracteriza-se um processo complexo. Em alguns países da Europa, como a Alemanha, a implantação das Ipsas levou mais de uma década. O que se pretende neste momento, no Brasil, é padronizar a entrada e a saída da informação contábil, ou seja, o plano de contas único para a Federação e as demonstrações contábeis, além de disseminar os benefícios da informação sob esta nova realidade. Assim, a consolidação das contas públicas, a comparabilidade das informações e a tomada de decisão por parte do gestor público serão aprimoradas. Com o tempo, serão amadurecidos, discutidos e implementados outros procedimentos como depreciação, ajuste ao valor recuperável de ativos, registro de ativos intangíveis, sistemas de informação de custos, dentre outros.

Em sua opinião, quais serão as principais dificuldades em termos de adoção das novas regras de contabilidade?
É necessário que o contador público atente para o fato de que o registro das receitas e despesas em regime de competência tem algumas consequências importantes em seu dia a dia. Por exemplo, em relação às despesas de pessoal, terão que ser apropriados mensalmente os valores relativos ao 13º salário e às férias dos servidores. Outro exemplo é o de que os créditos tributários devem ser reconhecidos no momento do lançamento, e não somente no momento em que a guia de recolhimento é paga na rede bancária, exigindo uma integração maior com os órgãos e sistemas responsáveis pela arrecadação dessas receitas. A depreciação dos bens públicos — que é o registro da perda de valor decorrente da ação da natureza ou obsolescência e que não transita pelo orçamento público — deve ser registrada, exigindo também uma integração com os órgãos e sistemas de controle patrimonial. Além da questão de registros de fenômenos específicos, o contador deve ter em mente que os registros contábeis devem ser baseados no Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (PCASP), que traz uma relação de contas padronizada para a União, os estados e municípios, bem como a lógica dos registros contábeis. As Demonstrações Contábeis Aplicadas ao Setor Público (DCASP) também foram padronizadas para toda a Federação. É importante destacar que há prazos relativos à adoção do PCASP, das DCASP e dos procedimentos patrimoniais, conforme definidos no Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Essas mudanças devem ser implementadas até o final de 2014, conforme dispõe a Portaria STN nº 753/2012 em vigor.

As Ipsas possibilitarão identificar perspectivas da entidade pública?
Sim. A contabilidade patrimonial, que é a essência das Ipsas, devido à sua abrangência, permite análises e projeções mais refinadas acerca do comportamento dos itens patrimoniais, financeiros e orçamentários. Assim, com esse novo instrumento, o gestor poderá gerir com muito mais segurança as entidades públicas.

Quais vantagens virão com as novas regras de contabilidade aplicadas ao setor público?
Em relação aos benefícios da convergência, podemos citar o fato de que a tomada de decisões será baseada em uma gama maior de informações, o que traz mais segurança ao gestor. Além disso, há o benefício da comparabilidade das informações contábeis entre os entes federativos e entre os países, permitindo análises mais abrangentes quanto ao desempenho das finanças públicas. As transações que afetam o patrimônio devem ser registradas antes mesmo de serem contempladas no orçamento, o que aumenta a transparência. Há uma melhoria significativa no processo de prestação de contas nos órgãos de controle.

A adoção das Ipsas inibirá desmandos com o dinheiro público?
A captura de todos os fenômenos que afetam o patrimônio público segundo a ciência contábil (bens, direitos e obrigações das entidades públicas) e também das potencialidades (assinatura de convênios, contratos, etc.) fazem constar das demonstrações informações suficientes para a efetiva atuação dos órgãos de controle e o exercício do controle popular por parte do cidadão.


Crédito da foto que ilustra este texto: Rodolfo Stuckert/Agência Câmara.

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