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“É tarde demais para mudar a política econômica”

POR COSTÁBILE NICOLETTA

Celso Luiz Martone, professor do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), crê que é tarde para esperar alguma mudança mais significativa na política econômica, em razão da proximidade das eleições do próximo ano. “O mais provável é que o governo empurre a situação atual com a barriga e jogue todas as decisões importantes para o próximo presidente da República, em 2015”, analisou, em palestra ministrada em 13/9/2013 na Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), em São Paulo.

Segundo o docente da FEA/USP, o modelo adotado pelo governo para tentar reativar a atividade econômica não vem mostrando resultados satisfatórios. Desde 2008, disse Martone, para fazer frente à crise mundial, o Brasil optou por expandir o crédito ao consumo por meio dos bancos federais (BB e CEF), na esperança de que isso resultasse em maior concorrência na oferta de financiamento e em investimentos produtivos na indústria para atender à demanda criada pela facilidade de empréstimo para a aquisição de bens.

Essas medidas foram combinadas com benefícios fiscais (redução e isenção de impostos) para setores como automóveis, eletrodomésticos, intervenção no câmbio e nas áreas de petróleo, elétrica e mineral, para conter tarifas e preços e direcionar investimentos. Apesar disso, os indicadores de custo de vida se mantiveram altos e os de crescimento econômico, baixos. A inflação média está em 6,5% ao ano, mas o controle de preços imposto pelo governo uma hora não terá como enclausurar os reajustes dos derivados de petróleo, da energia e dos transportes, acredita Martone, para quem essa política econômica “mais ousada” para tentar evitar que a crise mundial piorasse o cenário doméstico acabou provocando o abandono da austeridade fiscal e uma leniência com as metas de inflação.

Os remédios para fazer o País voltar à rota de controle rígido da economia são ortodoxos e pouco simpáticos, disse Martone: contração fiscal e monetária, que podem levar à recessão e ao desemprego, duas palavras proscritas de qualquer receita econômica, sobretudo às portas de períodos eleitorais. O governo argumenta que, se não tivesse agido dessa maneira, as consequências dos desarranjos internacionais já teriam se materializado em terras brasileiras. E ainda aposta em seu amplo programa de concessões de projetos de infraestrutura para atrair investimentos privados brasileiros e estrangeiros.

Em sua apresentação na OEB, Martone deu a sua visão de por que a política econômica adotada por Luiz Inácio Lula da Silva deu certo em seus dois mandatos (2003-2010). O mundo vivia um período de expansão, o que fez a cotação das commodities agrícolas e minerais ir às alturas. A tradução disso especificamente para o Brasil, afirmou o professor da FEA/USP, foi um ganho anual de 0,5% na renda dos trabalhadores entre 2004 e 2010. Países africanos exportadores desses produtos tiveram incremento médio de 20% ao ano em seu Produto Interno Bruto (PIB).

A elevada liquidez internacional combinada com um forte acúmulo de reservas em dólares amparado pela venda ao exterior dessas commodities afastou qualquer risco de crise cambial no Brasil, assim como o cumprimento das metas fiscais e inflacionárias tirou do horizonte as perspectivas de significativos aumentos do custo de vida do brasileiro.

A partir de 2011, continuou Martone, a bonança mundial começou a dar lugar a turbulências econômicas vindas principalmente da União Europeia e dos Estados Unidos, combalidos em problemas internos. A liquidez internacional deixou de ser abundante e todos os fatores econômicos positivos observados no planeta antes de 2011 acabaram ocultando os problemas de gestão do governo brasileiro, na opinião de Martone.

“As providências tomadas pelo governo federal para enfrentar as dificuldades vindas de fora transformaram-se em crise de confiança perante os investidores”, comentou o titular do Departamento de Economia da FEA/USP. Não é à toa, exemplificou, que a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) vem rateando, enquanto as demais bolsas dos principais mercados no mundo vão em direção contrária. “Além disso, a situação de pleno emprego vivida pelo País foi sustentada pelo setor de serviços”, disse Martone. A indústria não se beneficiou das vendas do varejo, o que significa que o abastecimento foi feito mais com importações que com artigos nacionais, o que põe em risco tanto a indústria quanto as reservas cambiais — que não são infinitas — para pagar essas importações.

Para complicar um pouco mais essa encruzilhada, observou Martone, o chamado “presidencialismo de coalizão” virou um saco de gatos e não oferece base de apoio suficiente para que o governo consiga aprovar os projetos de seu interesse.


Crédito das fotos que ilustram esta matéria: Paulo Silva/Acervo Ordem dos Economistas do Brasil.

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