quinta-feira , março 28 2024
Início / PONTO DE VISTA / Na contramão da razoabilidade e do bom senso

Na contramão da razoabilidade e do bom senso

Por Gildo Freire de Araújo, presidente do CRCSP

“Hoje, o tempo no cumprimento das obrigações acessórias gera uma burocracia que não estimula o investimento, nem o empreendedorismo” 

O Brasil é o país com a maior carga tributária da América Latina, e isso não é novidade. Mas o nível de conhecimento efetivo do brasileiro sobre sua carga tributária ainda é baixo.

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na média, cada brasileiro, dos mais simples cidadãos às maiores empresas do país, deixa nos cofres públicos o equivalente a 33,4% de todas as riquezas que produz no decorrer de um ano.

Em contrapartida, o que deveríamos receber com tamanha participação compulsória? Educação? Saúde? Segurança? A lista não tem fim.

Apesar dos diversos municípios não cumpridores do dever de transparência, em atenção à Lei de Responsabilidade Fiscal, o CRCSP analisou os números divulgados pelos compromissados. E, mesmo entre estes, muitos não aplicam nem o mínimo exigido dos recursos públicos para os cidadãos. Como esperar resultados de um país que não tem um verdadeiro gestor público?

Segundo ainda a OCDE, os custos que o setor público impõe à população são bem maiores do que aqueles expressos nas guias de recolhimento que cada brasileiro tem o dever de pagar. São custos difíceis de mensurar, muitas vezes sequer aparecem na Contabilidade das empresas; são gastos ocultos, mas afetam a competitividade de todo e qualquer empreendimento aberto no país.

Gastos esses representados pelo tempo dispendido na compreensão e no cumprimento de toda a legislação tributária. Temos regras, situações e interpretações fiscais de alta complexidade e o menor desvio de atenção pode causar um enorme prejuízo aos empreendedores.

Hoje, a dedicação de tempo no cumprimento das obrigações acessórias oriundas do comportamento fiscal das empresas, seja nos governos municipal, estadual ou federal, gera uma burocracia que prevalece, em total contramão da razoabilidade e do bom senso, e não estimula o investimento nem o empreendedorismo.

O sentimento que fica é que, para os órgãos do governo, todo contribuinte é desonesto e tem que provar o contrário. Assim, o controle é necessário.

Essas obrigações com informações repetitivas e cruzadas causam também impacto e custo invisível ao contribuinte, além de que, apesar de o governo ter hoje alta competência eletrônica na recepção dos dados, este não cumpre com seus prazos na liberação dos programas digitais necessários, sequer dá retorno à sociedade de alguma dificuldade imprevista, mas mantém os prazos iniciais para o cumprimento da obrigação. Isso é total falta de respeito.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, no início deste ano, disse: “A Receita já está montando um programa para simplificar e racionalizar todo esse processo, para reduzir o tempo médio gasto pelas empresas para preparar e pagar tributos”. Ele anuncia medidas de redução da burocracia no Brasil, mas as promessas parecem não sair do papel. A reforma tributária no Brasil está atrasada; perdeu-se a oportunidade de impactar positivamente os negócios no Brasil e a realidade é cada vez mais distante disso.

Mas, o desenvolvimento e a competitividade das empresas no Brasil depende disso. É injustificável a perda de tempo no cumprimento das obrigações tributárias, que, segundo o Banco Mundial, corresponde a cerca de 2,6 mil horas de trabalho a cada ano. Perdem-se 108 dias por ano apenas para cumprir tamanha burocracia.

Para que as coisas mudem, precisamos de vontade política e de maior participação e pressão popular. Não podemos continuar aceitando os impressionantes escândalos de desvios de recursos públicos (dos poucos casos que ainda ficamos sabendo). E, depois, o que acontece com todos estes recursos?

A sociedade precisa buscar organização. Quem não sabe por onde começar, pode procurar saber mais sobre o Observatório Social do Brasil (OSB), uma organização criada pela sociedade civil, que promove a cidadania fiscal e trabalha pela transparência na gestão dos municípios.

Órgãos de controle social, entidades representativas como o CRCSP, grupos sociais organizados, investidores sociais e membros da sociedade civil participam do Observatório como forma de impedir a corrupção e auxiliar a correta aplicação dos recursos que vêm dos impostos em todo o país.

A Rede OSB está presente em mais de 100 cidades, em 19 estados brasileiros. São cerca de três mil voluntários trabalhando pela causa da justiça social em todo o Brasil. Estima-se que, entre 2013 e 2016, com a contribuição dos voluntários, houve uma economia de mais de R$ 1,5 bilhão para os cofres municipais. E a cada ano mais de R$ 300 milhões do dinheiro público deixam de ser gastos desnecessariamente.

É muito importante denunciar os malfeitos da administração pública, quando existirem. Mais importante ainda é apontar os erros antes de o dinheiro público ser gasto indevidamente.

*Presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo (CRCSP)

Próximo Post

Cenário da aviação brasileira pode se agravar com a Reforma Tributária

Yvon Gaillard, Co-founder e CEO da Dootax A indústria da aviação no Brasil vive uma …

Deixe uma resposta